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Mostrando postagens de agosto, 2008

A bela e provinciana Floripa

(Florianópolis (Córrego Grande), 26 de agosto de 2008) Quero começar explicando que não há nenhuma conotação pejorativa no adjetivo “provinciana” do título da crônica, ao contrário. Poderia ter usado outro adjetivo: aconchegante, por exemplo. Mas provinciana rende mais palavras, mais explicações. Então, eis porque. Ontem, enquanto caminhava com o Lucas para a casa de Felipe, seu amigo, me lembrava dos tempos de antigamente quando ia passar férias na casa de “vózinha” e caminhávamos do seu sítio/fazenda até o de Tio Ananiano. Claro que o Córrego Grande, bairro onde estou, não é tão rural assim, inclusive os latidos fortes dos pitbulls aqui e ali, que me assustavam e irritavam, também lembravam que estávamos numa cidade grande. Talvez tenha sido a familiaridade do Lucas com lugar o que me fez lembrar mesmo de “antigamente”: a casa do Felipe parecia ser uma extensão da sua. Caminhávamos pelas ruas como se elas já lhe pertencessem: tal como um anfitrião nos mostrando os vários cômodos da c...

"Finas fatias de viagem cortadas no ar..."

Aeroporto Pinto Martins, 25 de agosto de 2008 5:39am São coisas diferentes que fazemos em aeroportos e rodoviárias. A memória é vívida porque há apenas 4 dias fiquei esperando na rodoviária de Fortaleza para ir para Jericoacoara. Lá não enxergo nenhuma possibilidade de, como aqui, sentar no chão, perto de uma tomada, e ligar meu computador. Os passageiros já se espremem perto do portão de embarque. Nunca faço isso. Nunca fico na fila. Permaneço no saguão até o último instante; em geral sou das últimas a embarcar. Observei hoje, enquanto na fila do check-in, que aprendi a gostar de aeroportos. Inclusive, gostar dessa distância “ótima” que os passageiros estabelecem entre si: ninguém incomoda ninguém; ninguém pergunta nada a ninguém. E eu posso me perder em paz nos meus delírios, nas minhas escrevinhações... Há uns instantes senti como se tivessem acendido uma enorme lâmpada amarela atrás de mim. Meio incomodada me virei para ver o que era: o sol. Enorme, iluminadíssimo, amarelo-dourado....

De ficção e ficções...

No dia 13 de agosto, um dia antes de voltar ao Brasil, inspirada pelos comentários de Muad´Dib a postagens anteriores, escrevi a crônica “Um outro eu... mas qual?” Recebi vários comentários, mas um deles, o de Emma, provavelmente não foi compreendido por muita gente. Copio o que ela escreveu: “Lembranças... Berna, desde ontem à noite fiquei pensando em uma pegadinha que você me fez há uns 20 anos atrás... sobre uma paixão... e me veio à mente coisas desse tipo. Quem é quem no mundo de hoje? Quem é a criatura e quem é a criadora??? Seria divertido.” Emma sugeria que Muad´Dib fosse uma criação minha. Recebi o comentário como um elogio. Ela sugeria que eu era uma ficcionista tão imbuída do seu papel que transformava em ficção a própria vida. Conto agora a história da “pegadinha” do jeito que me lembro para depois voltar a falar de Muad´Dib. Longos idos meados da década de 1980. Estava me recuperando do final do namoro com Valdemar e dividia um apartamento com Emma C Siliprandi, em Campina...

Ganhando o mundo, camará!

(Jericoacoara, sábado, 23 de agosto de 2008, 6:56h) Acabo de voltar da padaria Santo Antônio , um dos pontos turísticos de Jericoacoara. Acordei 5:30, morrendo de fome e Júlio, um dos rapazes que cuida desta pousada, me indicou essa padaria, que abre todos os dias às duas da madrugada e fica aberta até enquanto há pão. É\ uma história simples e meio boba como quase todas as histórias das tradições. O dono, cujo nome esqueci de perguntar, costumava abrir 6 da manhã, com pães quentinhos. Com o aumento do turismo a fila que se formava de manhã foi crescendo e ele foi sentindo a necessidade de acordar mais cedo para ter condições de atendimento da demanda. O seu filho, o senhor que me serviu hoje, me disse que em geral começam a trabalhar umas 9 ou 10 da noite para às duas abrirem com pão fresquinho. Eu tinha algumas memórias da primeira vez que fui lá, em janeiro de 2001, quando estava namorando o Marcus. Lembrava-me de uma mesa longa, onde todos os fregueses sentavam juntos. E lembrava t...

El precio de la ignorancia (Final)

Quando escolhi este título para o conjunto de crônicas que termina com esta, a ignorância que estava em foco era a minha própria. Eu pensava particularmente na minha ignorância sobre a dinâmica da vida em geral e não especificamente a vida ou a justiça americana. Pensava em, ao final, oferecer um conselho: quando precisar saber sobre alguma coisa, particularmente sobre leis e justiça em terras estrangeiras, não procure os amigos, procure os especialistas. Se algum amigo for especialista no assunto, tudo bem, converse com ele, mas não deixe de procurar outros. Fui instigada a escrever sobre o tema, pelo enorme alívio que eu, Raquel e Nick sentimos após as duas entrevistas com advogados em Los Angeles. O último com quem conversamos, George S Castro, é brasileiro. Embora seja o dono de um escritório de advocacia e formado em Direito no Brasil, não é advogado na Califórnia. Tanto ele, quanto o anterior, Hector Ortega, pareceram ter bastante intimidade com a lei da imigração, embora nenhum ...

Um outro eu... Mas qual?

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Eu o reconheci desde a primeira sentença como se fosse aquela parte de mim que me aceita... O outro que me observa com a compaixão com que somente eu sou capaz de me observar... Um milagre quase. Percebe certa sofisticação na minha simplicidade... Será que ele também desconfia dela? Quero dizer, da simplicidade? Se é espontânea... ou fabricada? Afinal, não é meio paradoxal uma simplicidade sofisticada? Não creio que ele sugira que haja muito mais do que o que aparece, embora ele, como eu, sabe bem que o que aparece é apenas a ponta do iceberg. Há mais: tanto, tanto, tanto... Mas sendo o que aparece a ponta do iceberg, pelo amor de deus: é real! É confiável! É seguro... Ou não? De um jeito ou do outro: quem tem coragem de mergulhar? De desafiar a fantasia do que se enxerga na superfície? Adriana, minha querida amiga argentina, que me ensina sempre tanto sobre tudo no mundo, e que eu amo demais e de quem me custa muito me despedir, comentou um pouco sobre isto hoje... Meio por acaso... A...

El Precio de la Ignorancia (Parte II)

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(Foto 1. Venice Beach. Show do haitiano que anda sobre cacos de vidro. 11/08/2008. Foto 2. Raquel e Nichole em frente ao banheiro público da Venice Beach. Ver detalhe do "mosaico" na parede) Coffee Roasters, Riverside, 9 de agosto de 2008 Escrevo a data e me lembro de Fábio: hoje completaria 45 anos. Tão esquisito essa idéia de não poder encontra-lo nunca mais... Ouvi-lo atender o telefone com o seu: “pronto?” Não sei o que está acontecendo comigo ultimamente, mas a verdade é que a morte já não me assusta tanto... Talvez o que eu queira mesmo dizer com isto é: a dor já não me assusta tanto. Ao mesmo tempo, sinto-me mais sensível do que nunca. Capaz de perceber mil vezes mais do que percebia quando adolescente. Sinto mais, percebo mais, porém, paradoxalmente, assusta-me menos a dor e a vida. Sinatra homenageia Fábio cantando Unforgettable. Centenas de coisas aconteceram entre o início desta crônica e hoje, inclusive o adiamento da minha volta ao Brasil. Estou outra...

El precio de la ignorancia... (Parte I)

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(Terça-feira, 6 de agosto de 2008. 18:30h) Acabamos de chegar de Los Angeles. Um alívio a informação, o conhecimento, a possibilidade de escolher... Desde ontem estamos trafegando essas freeways que, apesar de todas as críticas, acho maravilhosas. Foi nelas que há 10 anos iniciei o reencontro comigo mesma. Sempre me levavam para lugares inusitados... Comecei nelas uma brincadeira comigo mesma que quero que dure pra sempre: nunca desejava chegar a lugar nenhum, nem mesmo à minha casa, filhos e marido, o que é meio absurdo para uma canceriana – tão cheia de água no seu mapa astral – como eu. Gostava de me perder nas filosofações, fantasiações, ruminações. Sentia-me livre... como as freeways fora da hora do rush. Havia sempre uma entrevista, uma reunião, um destino, o que justificava a minha movimentação do leste para o oeste, do sul para o norte, mas eu me envolvia mais era com a transição; com a possibilidade de dialogar comigo mesma: tanto entusiasmo, tanto medo, tanta inocência! Antes...

Perdi o vôo...

Perdi o vôo, mas não a esperança... Mas me assustei um pouco. Não com o fato em si, mas imaginando o que seria dirigir uma hora até o aeroporto (LAX) e ao chegar lá descobrir que meu vôo havia partido há quase 24 horas! Considerando a possibilidade de tal pesadelo, saber, via telefone, que perdi o vôo não é grande coisa. Perdi e dou graças a Deus por isto: precisava de mais uns dias por aqui. Ontem, na festa de despedida na casa de Armando, Maria praticamente me forçou a ligar para a Delta para ver a disponibilidade de vôos para daqui a uma semana, valor da multa, etc. Com o desemprego crescente, sempre há vagas. E a multa não é tão absurda assim: duzentos e cinquenta contos americanos. Engraçado é que eu e a funcionária nos demoramos na conversa e nenhuma se deu conta que àquela hora eu já deveria estar fazendo o check-in. Foi somente hoje, quando liguei para adiar, que soube que meu vôo já havia partido. Parece excesso de desatenção, mas não foi. Eu sairia de LA para Atlanta à 0:55 ...

Paul Auster, o mago: primeiros encontros

a Muad'Dib Uma das tantas conclusões de Blanchot (O Espaço Literário) é que a literatura finalmente se realiza quando a solidão do autor se encontra com a do leitor. Mais poeticamente: a literatura nasce do encontro de duas solidões: a do autor e a do leitor. Foi assim que me senti quando li A invenção da solidão, de Paul Auster. Claro que vivi tal encontro muitas outras vezes, mas é o Paul Auster que me inspira a falar sobre isso agora. Passeei com ele pelos quartos e corredores da memória criada pela morte do pai. Vi sua mãe se olhando no espelho; esperando um carinho de um pai perdido em si mesmo e na sua própria idéia de retidão. Apaixonei-me por aquele texto escorrendo pelas páginas com a leveza do pensamento. Um achado. Fiquei aliviada quando vi na amazon.com que ele havia já escrito muitos livros. A minha alienação do mundo à minha volta me protege e também me embrutece. Claro, nada é de graça. Por que escolhi [na vida] caminhos que só me permitiram me encontrar com Paul Aus...

As Ruas de Riverside

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As ruas de Riverside não querem saber dos meus papos zen ou da poesia concreta dos guerrilheiros de Chiapas só querem desembocar no mar de freeways que levam a Los Angeles e a lugar nenhum as ruas de Riverside não querem ver a cor do meu baton não querem ouvir os coyotes de Jeannie nem sentir o cheiro do café de Maria por que dariam conta da ansiedade aristocrática nos jantares elegantes de Alena? as ruas de Riverside não vêem nada - não querem ver nada não sentem nada - não querem sentir nada não escutam nada - não querem escutar nada as ruas de Riverside indiferentes, serenas nem parece que sabem que amanhã ou depois desaparecerão com o terremoto que transformará a Califórnia noutra ilha

Do terror doméstico II

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Vim e continuo me sentindo tão impotente quanto no Brasil. A diferença é que tenho agora a sensação de estar, como previu Sérgio, dando um apoio mais efetivo à Kel. Bom encontrá-la, abraçá-la, tê-la por perto depois de uma ano inteiro de separação... Planejei ficar um pouco na casa da Jeannie, mas não consegui: quero ficar por perto da Kel o tempo inteiro. Hoje estou me sentindo melhor do que ontem. Talvez tenha sido o encontro com a Susan, amiga que também fez o doutorado em antropologia na UCR. Ela é a mulher mais falante que eu conheço. Nunca vi sair de uma mesma boca tantas palavras... Por muito tempo ela foi o meu termômetro da minha ignorância do idioma. Geralmente acontecia uma das duas coisas nas nossas conversas: ou eu desistia de tentar entendê-la e me desligava ou a interrompia várias vezes para perguntar o significado das palavras que dizia. São muitas histórias com as minhas amigas daqui. É engraçado que nos meus 16 anos de Fortaleza eu não tenha conseguido fazer amigos c...

Do terror doméstico

Coffee Roasters (e não Roasters Coffee, como escrevi na crônica passada), 1 de agosto de 2008 São 8:45 e tenho aproximadamente duas horas de liberdade... Aprendi com Ana Yolanda Ramos-Zayas, amiga de NY, que, embora paradoxal, é possível trabalhar melhor nos cafés do que em casa. Este aprendizado não se aplica ao meu caso cotidianamente porque não tenho cafés interessantes próximos à minha casa, em Fortaleza. Estava há pouco tentando me concentrar nas várias coisas que preciso ou posso fazer enquanto visitando a Kel nesses dias... (Este Café é tão lindo... Diferentemente de terça-feira, quando vim para encontrar Alfredo, agora estou sentada de frente para a porta de entrada. Através das janelas envidraçadas vejo algumas mesas da varanda e pedaços do estacionamento... Quero algum dia comprar um carro vermelho e não precisa ser “um mustang cor de sangue”... Tanto verde envolvendo os prédios que vejo daqui, que é difícil lembrar que estamos no meio do deserto. Billie Holiday canta Blue M...