(Jericoacoara, sábado, 23 de agosto de 2008, 6:56h)
Acabo de voltar da padaria Santo Antônio, um dos pontos turísticos de Jericoacoara. Acordei 5:30, morrendo de fome e Júlio, um dos rapazes que cuida desta pousada, me indicou essa padaria, que abre todos os dias às duas da madrugada e fica aberta até enquanto há pão. É\ uma história simples e meio boba como quase todas as histórias das tradições. O dono, cujo nome esqueci de perguntar, costumava abrir 6 da manhã, com pães quentinhos. Com o aumento do turismo a fila que se formava de manhã foi crescendo e ele foi sentindo a necessidade de acordar mais cedo para ter condições de atendimento da demanda. O seu filho, o senhor que me serviu hoje, me disse que em geral começam a trabalhar umas 9 ou 10 da noite para às duas abrirem com pão fresquinho. Eu tinha algumas memórias da primeira vez que fui lá, em janeiro de 2001, quando estava namorando o Marcus. Lembrava-me de uma mesa longa, onde todos os fregueses sentavam juntos. E lembrava também de um pão grande, especial, tipo panetoni, servido com café. Hoje ele me disse que é um pão de coco. E também servem o pão de queijo deles que nada tem a ver com o tradicional mineiro. Chama-se pão de queijo apenas porque acrescentam queijo à massa pronta antes de levá-la ao forno. Não sei, mas acho às vezes que as pessoas acham meio esquisito que eu fique perguntando tanta besteira... Sempre fui assim e quando estou longe dos meus filhos ou amigos aproveito para ser mais ainda. É divertido. É um jeito de me aproximar mais das pessoas porque, apesar de elas inicialmente acharem esquisito, daqui a pouco estão me confidenciando os seus maiores segredos... aqueles que nem sabiam que guardavam.
Fiz o que pude para não estar aqui, não vir pra cá. Não consegui preparar a palestra para o encontro internacional da Capoeira Brasil, como queria. Me atrapalhei entre o pouco tempo entre a volta da Califórnia e o encontro. Também fiquei meio pirada com essa história de pressão alta. E expliquei pro Armando, o ex-aluno que me convidou, que não viria por isso. Liguei na quarta, dia que começou o encontro. Ele insistiu para eu vir assim mesmo, mas eu o convenci que não, era uma questão de saúde e tal. E ele aceitou. Mas apenas provisoriamente. No dia seguinte me ligou insistindo e eu disse pra ele que, além da pressão alta, tinha o problema de não ter tido tempo de preparar uma apresentação como eu gostaria. E ele disse que poderíamos fazer outro formato: uma mesa redonda onde todos os presentes falariam mais livremente da sua experiência-pesquisa com capoeira. Eu falaria da expansão da capoeira em Chicago, parte da minha pesquisa de pós-doutorado.
Aí vim. Na quinta-feira de manhã a minha pressão já havia chegado aos números normais e, consciente observadora de mim mesma, levantei uma hipótese: a pressão subira em função do stress da viagem à Califórnia , mas talvez, principalmente também porque lá eu não estava me exercitando como costumo fazer em Fortaleza. Foi durante a caminhada da quinta-feira que me dei conta disto. De fato, ao longo de quase três semanas em Riverside, caminhei apenas umas quatro ou cinco vezes, o resto era fazendo compras, conversando com Kel ou amigos, cozinhando, ou escrevendo, em casa ou nos cafés. É por isto também que quero voltar à minha rotina em Fortaleza o mais rápido possível.
Muitas coisas para contar sobre a capoeira em Chicago. Muitas coisas para contar sobre a capoeira no mundo e o mundo vastíssimo da capoeira. O Gerardo Vasconcelos, colega querido da Faced, contou a história de Besouro Mangangá, um capoeirista baiano, de Santo Amaro da Purificação, meio mitológico, que viveu uma saga semelhante à de Lampião e Robin Hood. É uma pesquisa extraordinária, a do Gerardo, e ele se envolve com ela da mesma forma apaixonada com que me envolvo com as minhas. Eu era a única pessoa na mesa quase completamente inocente sobre a capoeira, inclusive porque a minha pesquisa jamais foi sobre a capoeira em si, mas a capoeira como um produto que difunde a “marca” Brazil pelo mundo.
Duas coisas importantes a se dizer sobre tal produto antes de quaisquer outras: a capoeira não é de jeito nenhum brasileira nos mesmos termos do samba. Como este, ela tem um pé na África: é um dos tantos produtos culturais afro-brasileiros. Mas diferentemente do samba e da forma como ele se difunde, celebrando a nossa mestiçagem, a capoeira não propagandeia o “milagre” da nossa democracia racial. Ao contrário, é um exemplo da resistência e expressa mais que tudo o conflito, o ressentimento, a raiva e estratégias para sobreviver a tudo isto tanto físico quanto emocional e filosoficamente. O que é a capoeira? Os seus mestres respondem a essa questão tão enigmaticamente quanto os mestres zen-budistas e todos insinuam que a resposta vem da prática, do contato, da convivência com essas artes/estilos de vida.
A outra questão importante é sobre a forma como a capoeira se transforma num produto
“brasileiro”. Criminalizada durante a primeira república foi reabilitada no Governo Vargas, período de construção da nossa identidade nacional. Mas a sua mais completa reabilitação, incluindo a sua transformação em objeto de desejo das classes médias, se dá depois que ela “ganha” o mundo. Então, é a migração para o “mundo” que transforma a capoeira num produto brasileiro. O meu amigo Alejandro Madrid (University of Illinois at Chicago) tem um jeito irônico de dizer isto: a capoeira é brasileira somente porque ela ganhou o mundo, se tivesse ficado em casa até hoje seria marginalizada... Ou seja, seria o produto de um gueto, com todas as restrições devidas, e não um produto/patrimônio nacional, com as suas “honras e glórias”.
Por que a capoeira se transforma num produto brasileiro depois que ganha o mundo é uma explicação mais longa que não posso e não quero dar agora... Mas o jeito como a capoeira se difunde, o seu corpo-a-corpo em Chicago será tema de diversas crônicas até eu finalmente juntar tudo e transformar no livro que preciso escrever sobre a pesquisa que desenvolvi lá entre 2006 e 2007...
"Sumehrianas" é uma brincadeira e uma homenagem à minha cidade natal, Sumé, Paraíba. É uma brincadeira porque, de fato, quem nasce em Sumé, é sumeense. Mas os meus colegas, civilizados, do Pio XI, Campina Grande, 1977, “viajavam” pra longe quando eu dizia a minha procedência. Na verdade, eles diziam sumeriana, em referência à Suméria. Estou acrescentando um “h” depois do “e”, para continuar a brincadeira e também para tornar estas “sumehrianas” únicas.
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sábado, 23 de agosto de 2008
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