
Eu o reconheci desde a primeira sentença como se fosse aquela parte de mim que me aceita... O outro que me observa com a compaixão com que somente eu sou capaz de me observar... Um milagre quase. Percebe certa sofisticação na minha simplicidade... Será que ele também desconfia dela? Quero dizer, da simplicidade? Se é espontânea... ou fabricada? Afinal, não é meio paradoxal uma simplicidade sofisticada? Não creio que ele sugira que haja muito mais do que o que aparece, embora ele, como eu, sabe bem que o que aparece é apenas a ponta do iceberg. Há mais: tanto, tanto, tanto...
Mas sendo o que aparece a ponta do iceberg, pelo amor de deus: é real! É confiável! É seguro... Ou não? De um jeito ou do outro: quem tem coragem de mergulhar? De desafiar a fantasia do que se enxerga na superfície?
Adriana, minha querida amiga argentina, que me ensina sempre tanto sobre tudo no mundo, e que eu amo demais e de quem me custa muito me despedir, comentou um pouco sobre isto hoje... Meio por acaso... A propósito de que, meu Deus? Não importa. Estávamos no Jammin Bread, uma lanchonete meio chique, meio vegetariana, lá, no Towne Center, onde também fica o Coffee Roasters, na área “universitária” de Riverside, morrendo de fome e comendo um sanduíche vegetariano acompanhado de chá do paraíso, um chá meio genérico com um leve toque de jasmin que servem com um monte de gelo: paradise iced tea. Ela dizia exatamente isto: a sua simplicidade é tomada por um incauto apenas como simplicidade...
E é o que você enxerga sem ser eu, sem ser Adriana, sem me conhecer... Ou me conhece? Além daqui, das Sumehrianas? O fato é que raríssimas pessoas percebem isto. Raríssimas pessoas percebem de mim o que quero que percebam. E, pra falar a verdade, prefiro assim. Embora aqui e ali sim: o Brito, o meu ex-cunhado, me sacaneava um pouco com essa história da minha simplicidade: “Berna, tu é muito simples... tu já pensou uma mulher como tu, com tanta coisa importante pra fazer, aqui, tão simples, conversando com a gente?” Uma tonelada de ironia no discurso do Brito, mas bastante sensibilidade também.
Mas páro por aqui, não preciso me revelar mais. Aliás, acho que nestas crônicas me revelo pouquíssimo. Apesar disso, não há como fugir de mim: vou sempre aparecer um pouco ou muito em tudo que faço. E, sem dúvida, como você percebeu, o meu texto também revela a minha espontaneidade... Mas quanto revela da minha alma? Dos medos que demoro a revelar para mim mesma? Um truísmo, eu sei, mas aqui apenas me permito revelar o que se pode revelar num texto público, numa crônica. Com tom e estilo de diário, é verdade, mas mais uma armadilha para atrair o leitor do que um diário propriamente... Inclusive, como diz Canetti, diário é outra coisa, percorre outros caminhos.
Não sei, mas a sua aparição por aqui, justamente quando eu filosofava sobre a literatura e a solidão foi meio mágica, meio milagrosa... Muitíssimo benvinda. Infelizmente a maioria dos comentários recebo mesmo é pelo email: por uma razão ou outra, as pessoas não querem se expor. Os comentários, espaço do encontro do autor com o leitor, é o espaço mesmo do encontro das solidões, da realização da literatura. Sem comentário não tem blog... como não tem literatura sem leitor.
Me lembro agora do que me dizia Seu (Francisco) Carvalho sobre esse encontro... e somente agora tudo isso faz tanto sentido. Conheci-o através de Anchieta Barreto, colega meu, que o conhecia bem desdes os tempos em que fora reitor e Seu Carvalho secretário dos conselhos superiores da universidade. Anchieta me presenteou com A Barca dos Sentidos com que imediatamente me encantei. Vi que tinha um lugar pra mim naqueles versos... Uma solidãozinha que eu queria habitar... Pouco depois, como representante da faced no cepe, tive a satisfação de
conhecê-lo pessoalmente. E era um aprendizado e um encantamento que não tinha fim. Meio desumano porque não teve um dia que eu não gostasse de encontrá-lo; que eu não passasse a enxergar o mundo diferente depois de uma conversa com ele, que as coisas que ele me dizia não ficassem germinando dentro de mim. Foram poucos encontros: uns quatro ou cinco. Ele sempre me presenteava com algum dos seus livros. Um dia, não me lembro mais porque, ele disse que o mínimo que se espera do leitor é um comentário, um bilhete... O escritor precisa de feedback... Precisa saber o que provoca nos outros os seus escritos.
Fiquei me sentindo meio em dívida porque ele já havia lido pelo menos três livros seus e nunca tinha lhe enviado bilhete nenhum... E também me sentia meio tímida para comentar quando nos encontrávamos... Dizia coisas superficiais... Mas não lhe dava idéia da extensão do impacto dos seus versos no meu cotidiano...
Um dia, finalmente, no meio das milhares de coisas do doutorado, daqui, de Riverside, lhe enviei longa carta e, no final, o seguinte poema, inclusive inspirado pela sua Canção ao Pote:
A luz da poesia
Mas sendo o que aparece a ponta do iceberg, pelo amor de deus: é real! É confiável! É seguro... Ou não? De um jeito ou do outro: quem tem coragem de mergulhar? De desafiar a fantasia do que se enxerga na superfície?
Adriana, minha querida amiga argentina, que me ensina sempre tanto sobre tudo no mundo, e que eu amo demais e de quem me custa muito me despedir, comentou um pouco sobre isto hoje... Meio por acaso... A propósito de que, meu Deus? Não importa. Estávamos no Jammin Bread, uma lanchonete meio chique, meio vegetariana, lá, no Towne Center, onde também fica o Coffee Roasters, na área “universitária” de Riverside, morrendo de fome e comendo um sanduíche vegetariano acompanhado de chá do paraíso, um chá meio genérico com um leve toque de jasmin que servem com um monte de gelo: paradise iced tea. Ela dizia exatamente isto: a sua simplicidade é tomada por um incauto apenas como simplicidade...
E é o que você enxerga sem ser eu, sem ser Adriana, sem me conhecer... Ou me conhece? Além daqui, das Sumehrianas? O fato é que raríssimas pessoas percebem isto. Raríssimas pessoas percebem de mim o que quero que percebam. E, pra falar a verdade, prefiro assim. Embora aqui e ali sim: o Brito, o meu ex-cunhado, me sacaneava um pouco com essa história da minha simplicidade: “Berna, tu é muito simples... tu já pensou uma mulher como tu, com tanta coisa importante pra fazer, aqui, tão simples, conversando com a gente?” Uma tonelada de ironia no discurso do Brito, mas bastante sensibilidade também.
Mas páro por aqui, não preciso me revelar mais. Aliás, acho que nestas crônicas me revelo pouquíssimo. Apesar disso, não há como fugir de mim: vou sempre aparecer um pouco ou muito em tudo que faço. E, sem dúvida, como você percebeu, o meu texto também revela a minha espontaneidade... Mas quanto revela da minha alma? Dos medos que demoro a revelar para mim mesma? Um truísmo, eu sei, mas aqui apenas me permito revelar o que se pode revelar num texto público, numa crônica. Com tom e estilo de diário, é verdade, mas mais uma armadilha para atrair o leitor do que um diário propriamente... Inclusive, como diz Canetti, diário é outra coisa, percorre outros caminhos.
Não sei, mas a sua aparição por aqui, justamente quando eu filosofava sobre a literatura e a solidão foi meio mágica, meio milagrosa... Muitíssimo benvinda. Infelizmente a maioria dos comentários recebo mesmo é pelo email: por uma razão ou outra, as pessoas não querem se expor. Os comentários, espaço do encontro do autor com o leitor, é o espaço mesmo do encontro das solidões, da realização da literatura. Sem comentário não tem blog... como não tem literatura sem leitor.
Me lembro agora do que me dizia Seu (Francisco) Carvalho sobre esse encontro... e somente agora tudo isso faz tanto sentido. Conheci-o através de Anchieta Barreto, colega meu, que o conhecia bem desdes os tempos em que fora reitor e Seu Carvalho secretário dos conselhos superiores da universidade. Anchieta me presenteou com A Barca dos Sentidos com que imediatamente me encantei. Vi que tinha um lugar pra mim naqueles versos... Uma solidãozinha que eu queria habitar... Pouco depois, como representante da faced no cepe, tive a satisfação de
conhecê-lo pessoalmente. E era um aprendizado e um encantamento que não tinha fim. Meio desumano porque não teve um dia que eu não gostasse de encontrá-lo; que eu não passasse a enxergar o mundo diferente depois de uma conversa com ele, que as coisas que ele me dizia não ficassem germinando dentro de mim. Foram poucos encontros: uns quatro ou cinco. Ele sempre me presenteava com algum dos seus livros. Um dia, não me lembro mais porque, ele disse que o mínimo que se espera do leitor é um comentário, um bilhete... O escritor precisa de feedback... Precisa saber o que provoca nos outros os seus escritos.
Fiquei me sentindo meio em dívida porque ele já havia lido pelo menos três livros seus e nunca tinha lhe enviado bilhete nenhum... E também me sentia meio tímida para comentar quando nos encontrávamos... Dizia coisas superficiais... Mas não lhe dava idéia da extensão do impacto dos seus versos no meu cotidiano...
Um dia, finalmente, no meio das milhares de coisas do doutorado, daqui, de Riverside, lhe enviei longa carta e, no final, o seguinte poema, inclusive inspirado pela sua Canção ao Pote:
A luz da poesia
ao poeta Francisco Carvalho
A luz da poesia atravessa escuridão, abismos, inocência.
Talvez não sacie a sede de justiça, de beleza, de paixão.
Mas deixa marcas do seu encantamento
nas retinas que lhe acariciam.
Ao invés de um banho de palavras,
a poesia é sopro de beleza e bússola de tragédia
transcende as barreiras da intenção e nos
premia com filhos da lua
e pulsações de desejo em almas de bronze
Apocalíptica constrói o túmulo
dos que não querem (ou não merecem) descansar em paz.
Camarada, traiçoeira, aproxima-me de mim
e ao mesmo tempo me reúne ao pó.
Tecedora de impossibilidades nos dá o que a história nos tira:
a possibilidade de ser todos os homens em todos os tempos, como cobiçava Whitman.
Ainda que transmutável em castelos, pântanos e fortalezas,
a poesia não quer ser porto de ninguém
mas ilumina como o farol de todos.
A você, Muad’Dib, não tenho um poema para oferecer ainda... mas ofereço essas divagações inacabadas de hoje, com gratidão. Good night.
Talvez não sacie a sede de justiça, de beleza, de paixão.
Mas deixa marcas do seu encantamento
nas retinas que lhe acariciam.
Ao invés de um banho de palavras,
a poesia é sopro de beleza e bússola de tragédia
transcende as barreiras da intenção e nos
premia com filhos da lua
e pulsações de desejo em almas de bronze
Apocalíptica constrói o túmulo
dos que não querem (ou não merecem) descansar em paz.
Camarada, traiçoeira, aproxima-me de mim
e ao mesmo tempo me reúne ao pó.
Tecedora de impossibilidades nos dá o que a história nos tira:
a possibilidade de ser todos os homens em todos os tempos, como cobiçava Whitman.
Ainda que transmutável em castelos, pântanos e fortalezas,
a poesia não quer ser porto de ninguém
mas ilumina como o farol de todos.
A você, Muad’Dib, não tenho um poema para oferecer ainda... mas ofereço essas divagações inacabadas de hoje, com gratidão. Good night.