
Estava há pouco escrevendo o meu diário que, de fato, já não mais merece esse nome porque está virando semanário, quinzenário... Mas hoje quis escrever um pouco. Mal comecei as primeiras sentenças e me dei conta de que o Caio estava na cozinha, preparando o seu café da manhã. Me perguntei se não deveria descer e ficar com ele... Aproveitar o privilégio da sua companhia. É nisto que tenho pensado ultimamente: a vida passando, meio que escorrendo entre os dedos, como água. Talvez a sabedoria seja não se angustiar com a água escorrendo, mas viver a sensação de tê-la passando entre os dedos... Sentir a sua temperatura, textura, cheiros... observar suas cores. Não adianta querer agarrá-la, prendê-la... Apenas me contentar em viver o seu fluxo. Mais ou menos isto. Acho que essa consciência da provisoriedade de tudo tornou-se mais pungente depois do casamento do Lucas. Observar, daqui da minha janela, o Lucas capinando sua horta era quase uma promessa de eternidade. Ele foi embora e eu, que já era atrapalhada, fiquei mais ainda. Mas até o galo, um símbolo de estabilidade, pirou e passou a cantar nas horas mais inesperadas e esquisitas, além de começar a fazer outras besteiras, como desafiar os cães e nos acompanhar de um lado pra outro, como um bezerro desmamado... Na verdade, a saída do Lucas encerra um ciclo. Era talvez a última conta que faltava no rosário da minha compreensão sobre a provisoriedade de tudo. Comecei a me concentrar no presente há exatos treze anos quando eu, Sérgio, Lucas, Raquel e Caio nos mudamos para Riverside, Califórnia, para o meu doutorado. Uns dois ou três meses antes da viagem comecei a prestar muita atenção em tudo que vivia e tinha em Fortaleza: as ruas tortas e esburacadas; as pessoas simpáticas, apressadas, mal-educadas; os amigos que eu ia sentir tanta falta, a Jane, o Antônio, as cores do céu do porto das Dunas, o cheiro e a brisa do mar, e Candy, a nossa cadelinha, que íamos “abandonar”. Nos meus primeiros meses em Riverside, eu vivia mais “aqui” do que lá. Somente muito aos poucos fui enxergando o lugar onde estava em carne e osso e me deixando envolver por ele. Mas foi uma luta isto. Como me envolver sem garantias? Como me “entregar” a um lugar que não era meu? Pra que gastar emoção com relações que eu já sabia limitadas, provisórias, com data marcada para acabar? Cinco anos depois, em 2000, eu vivia a situação oposta: sofria me despedindo dos amigos e paisagens conquistadas. Em cinco anos tinha me transformado noutra pessoa. Lembro-me que morria de medo de voltar para Fortaleza e perder a nova Bernadete, conquistada tão penosamente. Conversei com a minha terapeuta sobre aquele medo de voltar... especialmente de voltar a ser o que era... Ela me tranquilizou dizendo que aquele era um processo irreversível de “conversão”. E era. Eu era outra pessoa e começava a experimentar a vida de outros modos, embora me sentisse ainda meio emperrada no meu desejo de permanência de tudo. Mas não teve jeito, a minha vida não me deu trégua nos últimos treze anos... Durante esse tempo arrumei e desarrumei as malas e o coração muitas vezes... Descobri paisagens dentro e fora de mim que nem desconfiava que existissem. A vida parece mais curta agora e o mundo e os sentimentos mais vastos... Os cupins que andaram me aterrorizando nos últimos dias me levaram a descobrir que a minha casa é uma cornucópia... Um universo tão misterioso e tão profundo que eu precisaria de muitas férias como estas para desvendar... Missão impossível, quase. Muito o que fazer: vou começar saindo da frente deste computador e indo tomar café com o Caio...
Comentários
é exatamente assim mesmo. você fez um blog, está online, quem quiser (ou souber) e tiver curiosidade de ler, lê, comenta ou não e pronto.
a dinamica está nos feedbacks.
eu quero me desculpar por ter estado ausente aqui, mas eu ando ausente em muita coisa.
sem particularidades.
mudando de assunto: eu assisti um filme legal que só. "um beijo roubado". não sei se é porque eu simpatizo muito com os atores..
bom,
saudades.
e ah, só pra avisar que o email que eu coloco aqui é inativo, viu?
o que eu uso é aquele hotmail mesmo..
milhões de coisas misturadas.
quero escrever coisas bonitas no meu, mas nada.