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Triste Fortaleza, ó quão dessemelhante...

O verso do título é de Gregório de Mattos, meados do século XVII e, em vez de Fortaleza, lia-se “Triste Bahia”. Mas é Fortaleza e as suas dessemelhanças (e inospitalidade) que me motivam agora, tempo de campanha para prefeito, a escrever um pouco. Vejo, sinto e me angustio todos os dias com as dessemelhanças em Fortaleza. Elas se expressam dos mais diversos modos e circunstâncias, mas é ao tráfego que me dedicarei aqui. Todos os dias me coloco no lugar dos pedestres que têm de atravessar a BR-116 à altura da Aerolândia. São milhares de trabalhadores que cotidianamente, no início da manhã, se arriscam entre os carros em alta velocidade para não chegarem atrasados nos seus empregos. Não tenho a estatística dos mortos, mas certamente aquele é um dos nossos mais importantes “pontos de óbito”. Do trecho que me concerne, viaduto da Oliveira Paiva, até a rotatória da Aguanambi, há apenas uma passarela. Isto já seria, em si, uma agressão àqueles trabalhadores. Mas a dessemelhança, o paradoxo, ...

Sobre a paixão

(in Solidão Equilibrista , Edições UFC, 2008) De que serve a paixão senão para transmutar o dia em borboletas, ruídos em vagalumes, e nuvens em deuses, cometas, zumbis? de que serve a paixão senão para me envolver nessa nuvem de desejo e me transformar numa mulher esguia, leve, com idéias e desejos se desprendendo de minha alma como bolhas de sabão? de que serve a paixão senão para nos transformar um pouco? nos carregar com as suas vagas para o meio do mar, e nos abandonar lá, no escuro, sem vento e sem prancha? de que serve a paixão senão para ver a dor tomando todos os cômodos da casa? todos os poros das paredes, móveis, lençóis? escorrendo devagar por todas as frestas e ralos? de que serve a paixão senão para deixar este deserto maior do que o Saara dentro de mim? É assim: quando se vai a paixão resta um oceano inteiro a se navegar... O mundo se apresenta em vestes menos espalhafatosas; meio cinzento, meio rosa-clarinho, às vezes amarelo-pálido... breves visões de oásis... Eu, me ol...

Brasileiras e samba em Chicago: modelando-se à luz do desejo do outro

(Este trabalho foi apresentado no Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de Agosto de 2008. Disponível também no http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST65/Bernadete_Beserra_65.pdf ) Taís descobriu-se sambista por acaso. Convidada por um irmão recém-chegado de Londres, aventurou-se a sair de Mount Prospect à noite para uma visita ao Mad Bar, onde o Chicago Samba se apresentava às quintas-feiras. Acostumada à sua vida mais tranquila e confortável no subúrbio, Chicago era, até então, algo distante, que não fazia muito parte da sua vida, a não ser durante o período de fim de ano, quando vinha com amigas olhar as luzes e a decoração natalinas. Da primeira dessas visitas, um trauma. Estacionou o carro numa das ruas que desembocam no Lago Michigan e quando voltou para pegá-lo, ele havia sumido. Foi assim aprendendo as regras daquela cidade bonita, mas intrigante. Inóspita? Não, hoje ela aprendeu que não e não consegue acreditar que não viu aquela placa de est...

Viagem Chile-Peru: de Santiago a San Pedro de Atacama

(Ainda para Circe, que gosta de viagens, de poesia e sempre me comove como o diabo!) Santiago, Aeroporto Merino Benitez. 5 de fev 2008. 7:30am Estou escutando Sampa (C Veloso) e, depois de dois dias intensos, finalmente parando por uns minutos enquanto espero o voo para Calama. De lá, pegaremos um táxi (?) para San Pedro de Atacama. Deborah sabe quase tudo que a espera, mas eu nao sei de nada, nao planejei nadas, mas tenho certeza de que saberei distinguir o que faz do que nao faz sentido fazer. Ontem à tarde, encontramos, nas Bellas Artes, um bairro daqui perto do centro, uns amigos seus que estavam vindo dessa aventura e, pelo que contaram, lembrei de Jericoacoara e todos aqueles passeios para turistas... alguns dos quais muito interessantes. Lembro-me particularmente de uma lagoa azulzissima onde eu e Marcus comemos o "melhor" peixe frito das nossas vidas. ====== Quando estávamos vindo pro aeroporto no taxi dirigido por Abner, conhecido da Deb, eu pensava sobre a integraça...

De quantos 11 de Setembro precisamos?

(o artigo abaixo foi publicado no jornal O Povo, alguns dias após 11 de Setembro de 2001. Resolvi postá-lo agora, sete anos depois, porque ainda o considero atual e também como testemunho de que permaneço ancorada no tempo presente) Foram confusos os meus sentimentos quando o meu filho me chamou para ver na televisão as primeiras notícias sobre o ataque ao WTC. Fazia pouco mais de um ano que havíamos voltado de uma temporada de 5 anos em Los Angeles e estávamos nos sentindo ainda muito ligados à vida e aos amigos americanos. Confesso que senti-me aliviada pelo fato de que o ataque era contra New York, não contra Los Angeles. As chances de que alguém conhecido estivesse àquela hora no WTC eram desprezíveis. Pelo menos eu não teria que chorar por ninguém em particular e anuviar, com isto, a minha primeira reação que foi, para susto e protesto dos meus filhos, a de satisfação. Não satisfação com a dor e a miséria de tantas pessoas. Satisfação porque alguém tivera a coragem de protestar, n...

Muad’Dib, o anjo Francisco Gabriel e outros mistérios deste mundo de meu Deus...

Verdade: após ler os primeiros dois ou três comentários de Muad’Dib, desconfiei que ele fosse uma manifestação do meu anjo da guarda, Francisco Gabriel. Somente ele, tão próximo de mim, saberia como me atingir tão certeiramente. Então, estava eu me apaixonando pelo meu próprio anjo da guarda!? Por que havia ele escolhido o mundo virtual para se manifestar? Parece iconoclastia, blasfêmia, mas nenhuma novidade há nisso, inclusive dentro da própria igreja católica. Lembro-me particularmente do erotismo presente nos poemas de Santa Teresa de Ávila a Jesus Cristo. E Jesus Cristo, do jeito que é apresentado pela igreja católica, parece mais irmão do que pai... E é a idéia por trás do Deus-filho. Não somos deus, mas também somos filhos... Do mesmo jeito fui levada a pensar sobre os anjos: no mesmo nível dos irmãos e primos: uma proximidade e uma camaradagem difícil de encontrar nas relações entre diferentes. Um incesto menos grave, digamos assim. Logo depois dos primeiros comentários quis sab...

Viagem Chile-Peru: rumo à Santiago

a Circe Vidigal e Mari Chiba, que gostam de diários e viagens, (estou postando esses relatos porque alguns amigos pediram... Eles se referem à viagem que fiz ao Chile/Peru em fevereiro deste ano da graça de 2008... Os computadores que "frequentei" tinham teclados diferentes dos nossos e nem sempre pude ser fiel ao meu amado idioma) Santiago, 4 de fevereiro de 2008 Sao quase 8 horas e parece ainda de madrugada. Ficamos de sair de casa para um tour por Santiago la pelas 11... Tempo de sobra para digitar as anotacoes feitas ate agora. Aeroporto Guarulhos, 3 de fevereiro, 9:30am Quero voltar agora aa tempestade mental que me envolvia enquanto eu esperava na fila do check-in da Varig. Pensava no quanto as viagens me excitam; me carregam pra outros mundos e me poem em contato com os meus sentimentos mais profundos. Me poem em contato com o ser livre que ainda sou e que em tantas circunstancias imagino morto. Percebi, desde que cheguei ao hotel, que trouxe mais roupas do que o nece...