Mostrando postagens com marcador freeways. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador freeways. Mostrar todas as postagens

sábado, 9 de agosto de 2008

El precio de la ignorancia... (Parte I)





(Terça-feira, 6 de agosto de 2008. 18:30h)


Acabamos de chegar de Los Angeles. Um alívio a informação, o conhecimento, a possibilidade de escolher... Desde ontem estamos trafegando essas freeways que, apesar de todas as críticas, acho maravilhosas. Foi nelas que há 10 anos iniciei o reencontro comigo mesma. Sempre me levavam para lugares inusitados... Comecei nelas uma brincadeira comigo mesma que quero que dure pra sempre: nunca desejava chegar a lugar nenhum, nem mesmo à minha casa, filhos e marido, o que é meio absurdo para uma canceriana – tão cheia de água no seu mapa astral – como eu. Gostava de me perder nas filosofações, fantasiações, ruminações. Sentia-me livre... como as freeways fora da hora do rush. Havia sempre uma entrevista, uma reunião, um destino, o que justificava a minha movimentação do leste para o oeste, do sul para o norte, mas eu me envolvia mais era com a transição; com a possibilidade de dialogar comigo mesma: tanto entusiasmo, tanto medo, tanta inocência!

Antes de chegamos em casa propriamente pedi pro Nick passar no Trader Joe’s, para eu comprar um vinho. Uma licença que peço à minha amiga Maria e a Timothy Campbell, o quiropata (chiropractor) que fui ver ontem, depois da entrevista com o primeiro advogado. Preciso de um vinho: para aproveitar o ensejo e conhecer marcas que não conheço - e que dificilmente conhecerei em Fortaleza; para celebrar a ampliação do nosso conhecimento sobre leis imigratórias e, finalmente, para ficar um pouco tonta (get a bit high)... pelo amor de Deus!...

Antes de falar sobre os encontros e achados dos dois últimos dias, quero filosofar um pouco. Lembrar dos tempos em que a antropologia me arrebatava mais... Quero falar dos males da ignorância e qualquer dia desses juro que escrevo um manual sobre como se defender disto. Mas é uma conquista difícil esta, a do conhecimento contra a ignorância. Muita coisa aprendi com a antropologia, mas agora lembro-me particularmente de Eric Wolf, Guerras Camponesas do Século XX. Na introdução, ele se demora falando da ignorância que levou os Estados Unidos à invasão do Vietnã. Até hoje me lembro do que ele diz: a ignorância é irmã gêmea da desgraça. Sei que é. Quem não sabe? Mas eu acrescentaria que a desatenção produz ainda mais desgraças. Ele mostrava como a arrogância fruto da ignorância havia levado os americanos tão longe na sua auto-destruição e na do povo vietnamita. Ele se repete a pergunta que os americanos se fizeram por um tempo: como aqueles bastardos subnutridos de roupas listadas conseguiram vencer o maior e mais bem tecnologicamente preparado exército do mundo? Se tivessem respondido a questão provavelmente não teriam também invadido o Iraque. Mas essa é uma longa conversa e quero voltar ao que a motivou.

Eu, Kel e Maria saímos de Riverside às 9:30, rumo à Pasadena, para encontrar um velho amigo da Maria, do seu tempo de Cal Arts, Steve M. Adoro os caminhos de vales e montanhas que nos separam de Pasadena. Fizemos o clássico 60 Oeste – 57 Norte – 10 W – 210. Gosto especialmente das curvas da 57: os limites, as sombras, as luzes, o vale extenso... as montanhas. Maria, que é tão perfeita mas é viciada em café, pára num Starbucks do caminho. Compro o LA Times. Raquel vai comprar um donut. Troco duas ou três sentenças com um mendigo encostado na coluna da varanda do pequeno shopping. Maria lhe dá um dólar. Ele sorri, feliz.

Chegamos na Lake Av., em Pasadena, próximo da hora marcada, mas Maria acabou se enrolando e, afinal, chegamos ao escritório de Steve às 11:15, alguns minutos atrasadas. Fomos ao banheiro e eu não parava de dizer besteiras e rir com a Maria... Acho que era um jeito de fugir da tensão que me dominava. O conhecimento adquirido na Law Library (biblioteca municipal de Direito de Riverside) nos afastava um pouco da ignorância absoluta, mas não nos tranquilizava ainda. Era como se tivéssemos apenas vislumbrado a ponta do iceberg. É um escritório de três advogados: amplo, claro, protestantemente elegante. Maria nos apresenta a Steve e Raquel conta a sua história. Ele a interrompe várias vezes para pedir mais detalhes. Afinal, perguntamos quanto. Três mil para defendê-la no tribunal. E entre dois e cinco mil para refazer o pedido do waiver que ela precisa para outra vez iniciar o processo de mudança de visto. Perguntamos-lhe sobre as consequências de ela voltar imediatamente para o Brasil. Ele explica que ela já está sem documentos (ilegal) desde o dia em que o seu pedido foi negado (meados de janeiro) e que a seis meses de permanência ilegal corresponde a pena de três anos proibida de entrar aqui. É meio doido isto porque um dos motivos porque ela permaneceu foi justamente o processo que a impedia de sair. Ou seja, se não pode sair porque está respondendo o processo por que tal tempo contaria contra ela? Além disso, levantou a possibilidade de o desemprego atual do Nick prejudicar o pedido do green card. Sentimos firmeza nas atitudes dele, mas acho que, no final, ficamos ainda mais intranquilas do que antes. Explicamos que no dia seguinte estávamos indo para mais duas entrevistas com advogados em LA e que, depois de tudo, entraríamos em contato com ele, caso decidíssemos em seu favor.

Almoçamos todos juntos num restaurante indiano e lá, eu e Kel escutamos as histórias que os dois contavam dos tempos em que moraram juntos. Eu paguei a conta. Já havia combinado isto com a Maria. Depois íamos para Sherman Oaks, para uma consulta que eu queria fazer com o Tim, o quiropata da Maria. Ele tem um papagaio cor de rosa que deve ter trazido de alguma floresta tropical e que se transformou num bicho de estimação... Não sei se pode ser papagaio com aquela penugem branca/rosa, mas fala/grita como papagaio... Um saco. Respondi aqueles questionários intermináveis que os quiropatas fazem. Ele deu uma olhada: articulações dos dedos inchadas, doloridas, alguns meses de pressão alta, pedras nos rins... Disse que todos esses problemas eram fruto da minha desidratação. Preciso tomar de dois a três litros de água por dia. Me apertou um pouco para por os ossos no lugar, deu umas massagens pontuais e pronto. A Kel achou aquilo tudo uma enrolação e não entendeu como eu tinha coragem de pagar 90 dólares. Noventa dólares pro cara dizer que tudo precisa tomar água? Ah, mãe...

Passamos numa loja de produtos naturais, a Whole Foods, porque eu queria comprar um bolo de cenoura. Gosto muito de um bolo de cenoura que o Trader Joes vendia, mas faz anos que não encontro mais. Prefiro ao do Whole Foods. Enfim, compramos e fomos para um café. Somente lá vi que o bolo havia sido feito há cinco dias. Estava dentro do prazo de validade, mas estava meio seco. Todas concordaram e, depois do café, fomos devolver o bolo com cerca de 1/8 comido. Expliquei para o vendedor e ele me deu o dinheiro de volta. Entramos na freeway para a viagem de volta. Importante: disse viagem, mas ninguém aqui considera ir para Los Angeles, Pasadena, Beverly Hills, Santa Monica viagens... Na vida de muitos esses são trajetos cotidianos de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Surpreendentemente, àquela hora, 5 da tarde, a freeway estava livre. Sempre há engarrafamentos entre 3 da tarde e 7 da noite na direção oeste-leste... Em todas as direções, na verdade. Maria conjecturou que poderia ser já consequência das demissões do Schwarzenegger. Como se a crise atual não fosse bastante, ele anunciou o corte de cerca de 10 mil empregados do Estado e redução do salário dos que permanecem... Atinge mais o pessoal que trabalha meio expediente (part-time workers)... Várias protestos estão sendo feitos

Estávamos meio frustradas quando voltamos para casa. Mas eu já estava convencida de que precisávamos de um advogado. Não imaginava que teria que pagar tanto, mas, enfim, fazer o quê? Contamos um pouco o que havíamos aprendido com Steve para o Nick e sua família... Mas insistimos que só poderíamos tomar alguma decisão depois das entrevistas em LA, as de hoje.