sexta-feira, 30 de maio de 2008
Réquiem ao menino do sinal
Nem era um menino. Era um homem. Um palhaço. Divertido, estava sempre fazendo gracinhas, caretas. Assustava um pouco, às vezes, porque era alto, magrelo, moreno, aquele cabelão desgrenhado que ele tentava arrumar com um boné que só conseguia cobrir a metade. Eu me irritava quando ele me assustava. Mas só me assustava naqueles dias em que eu estava perdida do mundo à minha volta. Era uma bênção voltar à realidade com o seu sorriso. Mas não tinha jeito, eu me irritava primeiro, por conta do susto, e depois ria. Ele limpava o meu pára-brisas e se ia sorrindo com as moedas conquistadas. Coisa pouca: 50 centavos. Às vezes um real e aí era uma festa, com benzeção e tudo. Antônio, o rapaz que trabalha aqui, me disse há uns dias que ele havia morrido. Há duas versões para a sua morte. Antônio disse que não-sei-quem ouviu no Barra Pesada e lhe contou. O que dizem é que morreu de overdose. Era meio desarrumado, meio sujo, provavelmente se drogava também, mas era atencioso e divertido. A outra versão é que levou um tiro na testa, mas não escorreu sangue nenhum porque ele não tinha mais sangue: somente a droga corria nas suas veias. Não sei o que aconteceu e nem me interessa investigar, mas fiquei meio triste de não saber o seu nome e de outros tantos “flanelinhas” que me cumprimentam todos os dias. Que, de graça, me sorriem e, de quebra, limpam o meu pára-brisas. Queria saber o nome, mas nem sei se isto importa tanto, acho que a troca diária de gentilezas importa mais e é isto que sobrevive em mim. Isto e as tantas coisas que aprendo com eles: apenas 10% das pessoas lhes oferecem alguma compensação pelo seu trabalho. É extraordinário que com um retorno tão limitado, eles continuem sorrindo e limpando pára-brisas. Meus amigos que têm medo de “flanelinhas” (e de tudo) nunca param para refletir sobre o fato de que, em princípio, eles não nos tiram nada, apenas dão.
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4 comentários:
BERNA amiga: você melhoraria muito o ritmo estilístico do título dessa crônica se você retirasse esse UM desnecessário com que você o começou.
Se você aceitar a sugestão, isso mostrará sua sensibilidade poética.
Querida BB, mesmo não compartilhando da sua generosa e poética visão sobre "os meninos do sinal" gostei muito da crônica. Beijos
Minha querida alma gêmea. Se vc for de junho, seremos gêmeas em duplicata. A pobreza e a miséria me tocam profundamente e não tenho medo de pobre, como muita gente. Tenho sempre comigo um porta níqueis recheado e quando não posso dar 1 real, peço desculpas. Quando não tenho nada - acontece - abaixo o vidro e digo. Tô dura hoje, filho, fica pra próxima. Já conhecem o meu carro e sabem que sempre colaboro. Não acho que alguém fique pedindo nas ruas por vagabundagem. É muita humilhação. Anyway, prefiro dar a quem não precisa do que deixar de dar para alguém que vai comprar comida, ou ajudar na casa pobre onde vive ( quem sabe no viaduto)Só não dou $$ para mulher com filho no braço.Me dá vontade de esganar, expor assim uma criança, que a maior parte das vezes nem é filho, é criança alugada.
o desfecho só me lembro do que o armando falou lá na sala.
eu me sinto tão esnobe com vidro fechado.
e a gente ainda pensa que é livre.. sai de casa, entra no carro fechado, sai, vai pra sala fechada.. nam.. fora a parte do esnobe, enclausurada. é foda.
camila
http://www.allthoseyears.weblogger.com.br
esse costumava ser meu blog.. das antigas. mas tá parado.
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