terça-feira, 5 de agosto de 2008

As Ruas de Riverside



As ruas de Riverside
não querem saber dos meus papos zen
ou da poesia concreta dos guerrilheiros de Chiapas
só querem desembocar no mar de freeways que levam

a Los Angeles
e a lugar nenhum

as ruas de Riverside
não querem ver a cor do meu baton
não querem ouvir os coyotes de Jeannie
nem sentir o cheiro do café de Maria
por que dariam conta da ansiedade aristocrática
nos jantares elegantes de Alena?

as ruas de Riverside
não vêem nada - não querem ver nada
não sentem nada - não querem sentir nada
não escutam nada - não querem escutar nada

as ruas de Riverside
indiferentes, serenas
nem parece que sabem que
amanhã ou depois
desaparecerão
com o terremoto que transformará a Califórnia noutra ilha


2 comentários:

Muad'Dib disse...

Bernadete,
estes três ùltimos textos me tocaram. Gosto muito dessa pintura da sociedade estadunidense com grandes traços de pincel incisivos, um pouco como o faria um “sàbio“ japonês jogando sua vida inteira na execução instantânea duma caligrafia zen ; gosto também desses outros traços leves, meigos, com os quais você dà a ver, a sentir, esses seres caros que constituem seu universo pessoal, essas ilhas de amizade e de paz num mundo incerto no qual paira o espectro do arbitràrio. Os segundos contrapõem uma das produções mais angustiantes da primeira ; os segundos como refùgios, como “enlightened side of Riverside“ relativizam o peso do “dark side of Riverside“, o peso daquela extraordinària associação de palavras que você fez : o terror doméstico. Terror e doméstico, dois mundos opostos, dois universos diferentes que “normalmente“ não se associam, a não ser que remetam àquele inimigo interior ao qual estão confrontados certos casais marcados pela violência familiar. Mas senão, trata-se de territòrios separados, distintos ; remete à questão da fronteira, da casa e da rua, do conhecido e do desconhecido...
Riverside, também, evoca uma certa beira do rio ; assim como uma certa beira do Rio Grande fica associada à melhor parte da América, à parte civilizada, à parte que se merece, ao passo que a parte sul fica associada à parte do misturado, do incerto, da desordem, do heteròclito, mas também da tentação, dum certo desejo potencialmente em estado de rebeldia...
E essa parte desejàvel da América, essa sociedade que fez as delìcias duma certa antropologia cultural que, duma certa maneira, legitimou (talvez não vai concordar comigo) aquela forma de bem-estar cìvico, social e domestìco que se chama de multiculturalismo e que faz com que cada um està gozando do prazer de ser diferente mas ficando bem separadinho do resto, por medo daquela contagião sòcio-religiosa-cultural, daquela sujidade de que falou Mary Douglas ; essa parte desejàvel da América, assim como uma boa parte dos paìses da Europa ocidental, então, està iniciando, uma verdadeira etnografia da identificação : quem é você, que vem perturbar a felicidade de ser americano? Quem é você que apresenta o risco de alterar as cores de pele politicamente corretas e “desejàveis“ do modelo WASP ? Quem é você que remete às fobias da miscigenação, às fantasias da mistura sòcio-cultural ? E se o ideal WASP ficava solùvel no ardor, no suor dos corpos estrangeiros que se misturam, se juntam numa forma de orgasmo vingador no seu pròprio territòrio ? Quem é você ? que pensa ? como vota ? que come ? qual é seu Deus ? como transa ? o que lê ? de que gosta ? quanto vale ? Uma verdadeira etnografia da identificação é mas essa disposição do que esse dispositivo para mapear as configurações dos seres em via de admissão no territòrio dos Deuses, na beira certa do Rio Grande ; é essa colocação do fato humano em estatìstica, num sutil càlculo de probabilidades, essa cartografia sabiamente estabelecida das liberdades neoliberais que, como escreveu Foucault, engendram cada vez mais controles. Poeta, que esboça com tanto talento essas tensões vindas de là e vividas no Norte, quem é você ? Seus documentos ! Mas fique tranqüila, entre o terror e o doméstico, entre as beiras existe este longo rio que se chama vida e que muitas vezes fico alheio a todas as tentativas humanas de controle sobre o outro, a todas as fixações identitàrias.
Com certeza, com você ao seu lado e com a ajuda dum bom advogado, ou conselheiro em burrocracia identitària, a Kel pode dormir quieta ; tudo vai entrar em ordem... as ruas de Riverside ficarão indiferentes, serenas... mas que susto, que tensão !
Muad’dib

Regina disse...

Berna,

Lindo! Amei o poema. Fiquei com vontade de caminhar por essas ruas de Riverside.

Estou achando interessante acompanhar as suas reflexoes sobre a sua viagem.

Sabia que tem com voce linkar o seu blog no Facebook? E' so' ir no Notes e importar o blog.

Beijos,

Regina