a Muad'Dib
Uma das tantas conclusões de Blanchot (O Espaço Literário) é que a literatura finalmente se realiza quando a solidão do autor se encontra com a do leitor. Mais poeticamente: a literatura nasce do encontro de duas solidões: a do autor e a do leitor. Foi assim que me senti quando li A invenção da solidão, de Paul Auster. Claro que vivi tal encontro muitas outras vezes, mas é o Paul Auster que me inspira a falar sobre isso agora.
Passeei com ele pelos quartos e corredores da memória criada pela morte do pai. Vi sua mãe se olhando no espelho; esperando um carinho de um pai perdido em si mesmo e na sua própria idéia de retidão. Apaixonei-me por aquele texto escorrendo pelas páginas com a leveza do pensamento. Um achado. Fiquei aliviada quando vi na amazon.com que ele havia já escrito muitos livros. A minha alienação do mundo à minha volta me protege e também me embrutece. Claro, nada é de graça. Por que escolhi [na vida] caminhos que só me permitiram me encontrar com Paul Auster ali, em Chicago, no meio de tantas coisas urgentes para fazer? Resolvi brindar minha primeira semana destas férias com a leitura Mr. Vertigo. Os outros livros dele que havia comprado ainda em Chicago haviam sido guardados aqui, neste mesmo quarto que estou hospedada agora. Deixei-os porque havia coisa mais urgente para levar pro Brasil e também porque já tinha coisa demais pra fazer. Agora não, lê-lo é mais urgente.
Foi meio por acaso que me entreguei ao Mr. Vertigo nestas férias. Os cupins me fizeram tirar todos os livros do lugar. Na arrumação, encontrei Mr. Vertigo. Não me atraiu o titulo, mas eu pensei, vambora, tudo bem, é Paul Auster, vamos ver se se garante também como ficcionista. Acho que na terceira página já estava envolvida: adoro narrativas em primeira pessoa porque me levam mais rápido à solidão do autor. Uma armadilha muito eficiente para atrair leitores como eu.
Walt, narrador/personagem principal, já nos seus sessenta e tantos anos, resolve contar a extraordinária história do seu encontro com o Mestre Yehudi e a sua metamorfose num grande fenômeno, o primeiro menino voador. Prestes a conquistar a Big Apple, uma revelação cruel que não posso adiantar aqui porque a Marcionília me mataria. O esforço da empreitada e os detalhes da conquista, incluindo o sofrimento profundo e consequente transformação do “herói”me levaram a esquecer completamente o absurdo que é acreditar que um ser humano pode realmente voar. Um mago, este tal de Paul Auster. E prossegue contando a dureza que era ser pobre, índio, negro e judeu naqueles Estados Unidos do início do século passado...
Só acredito em romances onde autor, personagens e leitor se metamorfoseiam. Mr. Vertigo me surpreendeu, me encantou, me comoveu. Extraordinário. Quando estava já na metade do livro, Camila, aluna de antropologia do corpo no semestre passado, foi almoçar comigo e eu lhe falei de Walt. Estava mais envolvida nos dramas dele do que nos da Kel. Vivia uma situação difícil, que jamais havia experimentado: estava louca para terminar de ler, mas morrendo de pena de acabar a leitura... um affair, quase. Fui lendo cada dia mais devagar... Cada dia arranjava coisas “importantes” para fazer para me demorar mais acompanhando a busca/encontro de Paul Auster consigo mesmo através daquele menino pássaro, anjo, demônio... Mas não resisti e, mesmo homeopaticamente, terminei.
Quando soube que vinha visitar a Kel, aproveitei para pedir todos os seus livros. Logo que cheguei li um, infantil, Auggie Wren’s Christmas Story (A História de Natal de Auggie Wren). Não gostei muito, achei meio besta. Resolvi iniciar City of Glass. Uma história de detetive louquíssima, surreal, cujo cenário mais amplo é NY. Meio autobiográfica... Acho que a relação dele com o seu pai aparece em tudo que escreve... Não sei. Fora isto ele me lembra o realismo mágico latinoamericano. Surreal, do jeito de Garcia Marquez, mas ao invés de romântico como este, é pragmático, simples e direto como Borges. Uma combinação perfeita... Conto mais depois.
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
"a literatura nasce do encontro de duas solidões: a do autor e a do leitor."
Acho que é por isso que ultimamente etou lendo tanto... livros, teu blog, revistas, até textos de semestres passados que realmente queria entender e não só estudar para a prova....kkkk....(coisa meio louca)...bj pra vc...
Quando a emoção desestabelece a sintaxe, jà precària...
Olà Bernadete,
Não posso acabar com esse dia cearense, ritmado pela voz tão suave da "Duchess"/Billie Holiday, sem agredecer ao Maurice e ao Paul pelo que me permitiram “entender“/perceber mais sobre você ;
não posso acabar com esse dia fortalezense sem te agredecer pela dedicatòria, e, sobretudo, pela troca, tão pessoal, que me ofereceu ;
fiquei extremamente comovido ; incapaz, ainda, de encontrar as palavras certas para expressar o que senti e, sobretudo, responder à altura do que me foi dado...
Esquisito, pois, na verdade, logo depois de te ter enviado este comentàrio, me disse : « talvez seja exagerado ; talvez, possa passar por uma forma de anti-americanismo primàrio, tão facilmente mobilizàvel e tão facilmente aceitàvel nessa beira sul do Rio Grande... » Fechei os olhos ; pensei, sem força, sem qualquer vontade de “rendimento“ acadêmico, ao que a “cultura estadunidense“ me trouxe, na minha vida, na minha forma de ser...
Esses nomes, essas evocações, fugazes, sem ordem, sem pretensão à qualquer exautividade - talvez totalmente desconhecidos por uma boa parte das pessoas que lerão isso - falam, ilustram, sobretudo esboçam, o que modestamente sou : um produto, também, da riqueza que este paìs produziu em matéria de cultura, de reflexão, de interrogação sobre o estado de avanço do mundo. Agradeço a eles todos : escritores, mùsicos, e outros ; agradeço-os por o que fizeram de mim : um cidadão do mundo um pouco menos “burro“, um pouco mas aberto à alteridade... :
- Paul Auster (filmes): “Smoke“ et “Brooklyn Boogie“
- Tennessee Williams
- Charles Bukowksi ( ! ! ! ! !); William Burroughs ; Truman Capote ( ! ! ! ! !) ; John Fante (Ask the Dust ! ! ! ! ! ! ! ! ; “The Brotherhood of the Grape“ ; “Road to Los Angeles “... )
- John Irving : “The Water-Method Man“ ; “The 158-Pound Marriage“ ; “The World According to Garp“ ( ! ! ! ! ! ! !) ; “The Hotel New Hampshire“ ( ! ! ! ! ! ! ! ! ! !) ; “The Cider House Rules“ ( ! ! ! ! ! ! ! ! !) ; “A Prayer for Owen Meany“ ; “ A son of the circus“ ; “A Widow For One Year“ ; “The Fourth Hand“...
- Chester Himes ( “If he hollers, let him go » ; “If trouble was money“ ; “Imbroglio negro“ ; “Be calm“) ; Dashiell Hammett (e sua “Hard-boiled School“ : “The Maltese Falcon“ ; “The Glass Key“ ; “The Thin Man“) , Raymond Chandler (e Philip Marlowe ! ! !)
Enquanto estou pensando na voz tão sexy e suave da Grace Slik do Jefferson Airplane (e ouvindo-la na minha cabecinha), me vêm tantos outros nomes, tais como :
- Ernest Hemingway
- Jack Kerouac
- William S. Burroughs
- Allen Ginsberg
- Henry Miller (obra toda)
- John Dos Passos (“Three Soldiers“ ; “Rosinante to the Road Again“ ; “Brazil on the Move “ ; “Easter Island: Island of Enigmas“, etc.)
- Robert Pirsig ("Zen and the Art of Motorcycle Maintenance")
- Frank Herbert (o Ciclo de Dune e de “Muad’Dib“)
- James Ellroy (“Brown's Requiem“ ;“Blood on the Moon“ ; “Because the Night“ ; “Killer on the Road ou Silent Terror“ ; “The Black Dahlia“ ; “The Big Nowhere“ ; “Hollywood Nocturnes“ ; “White Jazz“, “American Tabloïd“ e “American Death Trip“ ; “My Dark Places“ ; “L.A. Confidential“, etc...)
-,Norman Mailer (“The Naked and the Dead“ ; “The White Negro: Superficial Reflections on the Hipster“ ; “Advertisements for Myself“ ; “The Big Empty“ ; “
E todas essa mùsicas que me acariciam os sensos :
- "Duchess"/Billie Holiday, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, George Gershwin, Cole Porter, Duke Ellington, Oscar Peterson, Count Basie, Dizzy Gillespie,Tommy Flanagan, Nat King Cole,
- Bob Dylan ; Leonard Cohen ; Pathy Smith
- Tom Waits ; Didi Bridgewater ;
- Bruce Springsteen
- Hank Williams, Woody Guthrie e Robert Johnson
- David Whittaker
- e ainda, tantos velhinhos e novinhos de que me esqueci, sem falar dos Robert Altman, Quentin Tarantino e tantos outros...
Agradeço a todos, agradeço a você, Bernadete.
Abraço.
Depois, conto mais.
Muad’Dib
Postar um comentário