(o artigo abaixo foi publicado no jornal O Povo, alguns dias após 11 de Setembro de 2001. Resolvi postá-lo agora, sete anos depois, porque ainda o considero atual e também como testemunho de que permaneço ancorada no tempo presente)
Foram confusos os meus sentimentos quando o meu filho me chamou para ver na televisão as primeiras notícias sobre o ataque ao WTC. Fazia pouco mais de um ano que havíamos voltado de uma temporada de 5 anos em Los Angeles e estávamos nos sentindo ainda muito ligados à vida e aos amigos americanos. Confesso que senti-me aliviada pelo fato de que o ataque era contra New York, não contra Los Angeles. As chances de que alguém conhecido estivesse àquela hora no WTC eram desprezíveis. Pelo menos eu não teria que chorar por ninguém em particular e anuviar, com isto, a minha primeira reação que foi, para susto e protesto dos meus filhos, a de satisfação.
Não satisfação com a dor e a miséria de tantas pessoas. Satisfação porque alguém tivera a coragem de protestar, no próprio território americano, contra as políticas abusivas dos Estados Unidos no mundo. Achei que com a evidência da sua vulnerabilidade, os americanos pudessem se tornar menos arrogantes e mais humildes. Quem sabe, vulneráveis, os americanos não prestariam alguma atenção à vulnerabilidade alheia? É claro que nos meus cinco anos de Los Angeles percebi que nem todos os americanos são arrogantes como é arrogante a política externa do seu país. E também percebi que a democracia americana, como a república ateniense, não cabe todos os que vivem em território americano.
Não custou para eu perceber que era vã a esperança que alimentara de que aquela tragédia servisse para os Estados Unidos repensarem a sua política externa. Percebi, logo nas primeiras reações dos políticos americanos, que o culto da humildade - parte do legado cristão - há muito deixou de fazer parte do protestantismo americano e, se eu cheguei a pensar que aquela lição poderia ter a força e o significado que os protestos pacíficos anti-globalização não estavam tendo, cuidei logo de tirar o meu cavalo da chuva.
Movidos pela dor, mas principalmente pela arrogância e vaidade, os políticos americanos queriam vingar os seus mortos. Diferentemente do que o meu espírito cristão sonhou, eles não conseguiam ver aqueles mortos como consequência das tantas tragédias que os Estados Unidos vêm produzindo mundo afora no esforço de manter a hegemonia conquistada desde a II Guerra Mundial. Ao invés de aproveitarem a oportunidade para rever a insustentabilidade da sua política global, encontraram o motivo de que precisavam para recrudescer tal política.
Não sei se pelo meu ofício de antropóloga ou pela minha alma cristã, não consigo achar que os civilizados valem mais dos que os não-civilizados; não consigo achar menos terrorista o terrorismo americano porque é pretensamente civilizado. Assim como não consigo achar que os paulistas são melhores do que os fortalezenses ou estes melhores do que os cratenses e assim por diante.
A tragédia de 11 de Setembro não serviu para ensinar este princípio fundamental, nem para os Estados Unidos e nem para os que apóiam as suas políticas insustentáveis. De quantas tragédias os americanos, e aqueles que neles se espelham, precisam para entender que somos todos humanos, não divinos?
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
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Um comentário:
Da mesma forma que você experimentei as duas emoções. Todo o meu ser foi tomado de uma grande euforia quando acompanhava as notícias e via as imagens da destruição. Me dizia estar assistindo à morte do Super Homem..enfim! Também a esperança de que este seria o momento para a introspecção, auto-crítica e reformulação de uma política historicamente deletéria. E aos que se condoíam e consternavam pela morte de "inocentes" eu vomitava minha revolta pelos inocentes do mundo inteiro que haviam até então sido mortos, de tantas e de todas as formas, pela violência americana.
Fiquei decepcionada pelo fato de a Casa Branca ter ficado de pé e o Pentágono ter sido apenas arranhado. Essa foi minha única tristeza naquele dia.
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