a Lúcia Couto
Voltava de uma farra, ante-ontem, quase madrugada, quando encontrei o seu recado no orkut. Difícil me entregar a Morfeu quando Lúcia Couto "esfuziantemente" me convida à vigília e à memória:
“Linda... louca... poetaaaaaaaaa!!!! Depois de muito clicar para cima e para baixo da maneira como minha cegueira cibernautica me permite, buscando fazer comentários no seu blog, cujo endereço consegui a partir de um encontro-fortuito-e-civilizado (num supermercado de shopping) com a Cláudia, caí na tua página do orkut...Uffffa é cansativo até pra narrar o fato. Enfimmmm...quero dizer que estou radiantemente esfuziante por te encontrar nas crônicas que li. O amor intelectual aflorou com força sumehriana!!!!! Beijos!”
Ri, feliz: a Lúcia de sempre, a Lúcia apaixonada, querida, que conheci e convivi por vários anos desde 1983, quando nos encontramos naquela turma de mestrado de sociologia rural, no campus II (Campina Grande) da Universidade Federal da Paraíba. Era uma turma pequena, 5 alunos, e até hoje me lembro de todos: Lúcia, Miguel, Ildes, Fernando Barroso e eu. Antes de encontrá-la pessoalmente soube que a sua prova havia sido a melhor do concurso. Segundo a mesma fonte, estávamos mais ou menos empatadas no nosso desempenho: meu projeto de pesquisa também havia sido o melhor. Mas isto não me dava conforto. Difícil aceitar que alguém vindo da Medicina tivesse tido o melhor desempenho num concurso para o qual, pelo menos eu e o Miguel havíamos sido (mal?) preparados durante os quatro anos de Bacharelado em Ciências Sociais! Insisti com a “fonte”: certeza mesmo que essa tal de Lúcia Couto fez a melhor prova? Despeitada, não gostei de Lúcia “à primeira vista”. Foi ela quem pacientemente foi destruindo as minhas resistências e me seduzindo. Acho que já a partir das primeiras semanas nos tornamos “best friends”... Ou meu despeito era frágil ou sua capacidade de sedução infinita... Parceiras de longas horas de estudo e co-autoras em vários papers das disciplinas: passávamos horas "viajando" nos títulos dos trabalhos: tinha que ser bonito, tinha que ser poético... Do que me lembro neste exato instante: o quarto de estudo, no quintal da sua casa, e nós duas devorando teorias da modernização da agricultura, campesinato e capitalismo e, inocentemente, destruindo os nossos pulmões com maços e maços de cigarro Hollywood. De repente, ela se levantava, pegava o violão e dizia: vou tocar uma música pra tu. Tocava e cantava sempre composições de sua própria autoria.
Quando a conheci, Lúcia já era “famosa”: ela e a sua banda haviam sido os vencedores no festival anual de música da cidade alguns anos antes. No ambiente acadêmico também era conhecida: mulher do professor Paulo Nakatani.
Mas Lúcia sempre foi muito mais do que tudo isso. Nunca encontrei tanta paixão e capacidade de trabalho e amor em alguém! Linda, alta, magrela, cabelos longuíssimos, felicíssimo produto dessa nossa mestiçagem desregrada, ela queria, provavelmente ainda quer, cuidar de todo mundo. Me contou histórias de Paris, de viagens de motocicleta, de festivais de música, do seu descontentamento com a medicina... abandonou a medicina, depois de uma especialização em microcirurgia, aparentemente sem remorso... Ensinou-me tanta coisa sobre culinária, arte de receber amigos, sexualidade, (idioma) francês...
Enquanto eu ainda me perdia no meu medo de tudo, Lúcia parecia já uma mulher livre, “com licença eu vou à luta”. Não parecia ter dificuldades para decidir a vida de todos à sua volta... Era firme, até meio autoritária às vezes, mas sempre muito querida e agradável. Inquieta, mas paciente. Em troca pelo que eu lhe oferecia de sociologia, antropologia, literatura e cariris paraibanos, ela me levava para passeios por muitos planetas...
Ontem, quando vi os recados que ela deixara no orkut, corri para as pastas de cartas que “coleciono” e, copio abaixo, os primeiros trechos da primeira carta sua que encontrei:
“Berlin, 9.10.92. Não direi hoje “querida Berna” pois seria pouco diante do que de emoção a leitura da tua carta evocou. A saudade infinita, ao desejo grande do reencontro impossivelmente imediato na varanda ou no boteco, soma-se aquela carência intelectual desgraçadamente enorme de quem até hoje só se encheu de perguntas?????????????????????? sem respostas plausíveis. Com todas essas considerações, iniciarei assim: Amada Berna! Esperei muito pela tua carta para te sentir mais perto. Afinal, durante a leitura se consegue ouvir a voz e perceber imaginariamente os gestos de quem escreve... Sinto muitas saudades!”
A carta prossegue por muitos longos parágrafos cheios de emoção e de descrições e reflexões sobre o que andava vivendo em Berlin naquele outono... Eu lhe consultava sobre a vida familiar em terras estrangeiras e ela me motivava a empreender tal aventura o mais rápido possível. Somente três anos depois, eu, Sérgio, Lucas, Raquel e Caio finalmente aterrissamos em Los Angeles e, meio maravilhados, meio assustados, navegamos pelas freeways que ligam Los Angeles à Riverside e lá ficamos por cinco anos.
O que aconteceu conosco? Com a nossa amizade? Por que ela intitulou “Reencontro” ao poema que ontem me dedicou? Não sei se reencontro é a melhor palavra porque, verdade verdadeira, nunca nos separamos ou nos perdemos uma da outra completamente. Os nossos corpos sairam perambulando por aí, em busca das experiências de que precisavam, mas as nossas almas, do jeito delas, permaneceram grudadas.
Mas é verdade, os movimentos da vida de cada uma criaram essa longa pausa na nossa comunicação mais profunda, como se propõe outra vez agora... Mas foi uma pausa entrecortada por encontros breves, aqui e ali, quando ela veio nos visitar uma vez ou quando eu ia para Campina Grande no São João... Também nos encontramos há uns três anos na sua casa cornucópia em Pipa. Mas é possível sim, que a partir de certo momento, eu tenha achado que Lúcia era "demais" pra mim. “Demais” no sentido de Fernando Pessoa, em Tabacaria. Era coisa demais que a sua companhia mexia, acordava, indagava. E eu, nessa minha limitação canceriana, precisava me manter concentrada na minha caminhada meio trôpega, meio inviezada, quilômetros atrás dela... Mil coisas novas ao meu redor e eu tentando viver e compreender: filhos, marido, trabalho... Meu Deus, meu Deus... tanta coisa!
Lúcia, querida, que alegria que estas Sumehrianas me trouxeram você! É bom saber que depois de todos esses afagos virtuais, brevemente nos abraçaremos ao vivo e a cores... É claro que eu te amo. Tim-tim!
domingo, 7 de setembro de 2008
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6 comentários:
Ave... Emocionante... Fiquei sem palavras, "fessora"... bj...
Bernadete,
Dança dos encontros e reencontros
No seu blog, vàrias pessoas expressaram a vontade de conhecer mais coisas sobre o Muad'Dib. Algumas vezes, me aproveitei das Sumehrianas como se fosse uma tribuna polìtica, cultural, ou não sei quê, e postei comentàrios àcidos ou certos dos meus delìrios esquizofrênicos. Algumas vezes, me aproveitei desse porto, aberto a todos os ventos do mundo, para escrever o prazer infinito que encontrava navegando entre suas linhas, entre suas frases, nessas crônicas, nessas fatias de vida cortadas no ar e buriladas com talento, com uma humanidade, uma generosidade e com um carinho para certos outros, com um brilho que me deixaram admirativo e profundamente comovido por tantas qualidades juntadas no mesmo ser humano.
Claro, poderia dar alguns detalhes “mais concretos“ sobre mim, preencher conscienciosamente meu perfil Blogger, até mesmo colocar uma fotografia... poderia, sim... Mas o que o fato de saber que sou uma mistura de Caetano Veloso (jovem) e de Arnaldo Antunes (brincadeira !!!... enfim, quem sabe?) que chegaria direto de um outro continento vai lhes trazer de importante? Talvez eu seja extremamente feio e este blog apenas um lugar certo para que possa dar a prova de que atràs da fealdade existe uma forma de humanidade de verdade, que sò com as palavras, sò com uma certa forma de poesia pode expressar-se... Quem sabe? São apenas aparências a serem sacrificadas à tirania das aparências que estamos condenados a enfrentar cotidianamente.
Ultimamente, você nos ofereceu um poema delicado da Lùcia. Hoje gostaria de lhe agradecer por ter acolhido minhas fantasias, com uma outra fantasia. Em certas mitologias da Ìndia a sexualidade aparenta-se à melhor via para conseguir a união sagrada entre o corpo e a alma. Então, utilizando a via descendente, nessa fantasia, que não hà outra pretensão que ser uma fantasia, vou privilegiar as palavras do corpo (do corpo mesmo, né!), num idioma que ainda não é totalmente o meu (vocês perceberam, né?), para lhe dizer o quanto, também, você tocou minha alma com as suas fantasias.
Porto Seguro
Ontem uma brisa leve fez dançar seu cabelo no meu rosto; o cheiro do mar estava banhando o quarto.
Ontem meu corpo ficou grudado ao seu, nu, você dentro de mim; eu dentro de você...
Ontem, dentro do nosso sono, viajamos juntos para outras galaxias, outras luas, outras fantasias.
Ontem o cheiro do mar vinha das angras do seu sexo e meu corpo entrelaçado ao seu encontrou Porto Seguro.
Ontem pegamos outros trens, seguimos outras ondas, brincamos noutros carnavais.
Ontem não tive mais medo de morrer de sede; podia embriagar-me da sua saliva e do licor do seu sexo.
Ontem me perdi e me encontrei em você ao ritmo de improvàveis batucadas.
Ontem, na imponderabilidade da sua lua, comecei uma viagem da qual não voltarei o mesmo.
Ontem uma brisa leve fez dançar seu cabelo no meu rosto; acordei, mordisquei sua nuca; senti sua barriga macia e seu seio-maçã nas minhas mãos; senti meu sexo contra o seu.
Ontem sonhei contigo e esqueci todo o resto: gostei muito de abraçar sua fantasia.
Talvez seja um pouco ousado... mas as Sumehrianas é um lugar de liberdade que se afasta das contingências traditionais, né...
Muad'Dib
Um dia você comentou que "bem-escrita" qualquer historia de vida se tornaria um bom romance. Reencontro II vem confirmar esse pensamento. E...falando em memórias, naquele longínquo dia comentávamos sobre Lia Luft e sua poética.
Boas memórias!
Namastê!
Berna & Muad
Vocês merecem um ao outro. Encontram-se no reino das metáforas, nas fimbrias do tempo e nas dobras do espaço virtual. Em todos os recantos que não existem vocês se acham. E se entendem. Que importam os outros nesse caso? parece que pouco importa a lógica vigente. Parece que querem mesmo desse jeito, como diz a música "eles se amaram de qualquer maneira...qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor vale amar...".Dessa maneira que estão se encontrando, maneira meio ousada e meio poética, mas sempre totalmente virtual (podia ser meio também, quem sabe, por e-mail, pra ser meio pessoal). Mas não, preferem estar no blog. Na vista de todos. Como o casal que se beija no centro daquela praça enorme, e ninguém conseque vislumbrar seus rostos.
Belos, ou feios, não importa. Importa o prazer que sentem, pois se estão abraçados, algo está rolando(acontecendo) entre eles. Há um aenergia que se desprende dessa realção, uma força criativa que contagia aos outros em volta, nos quais eu me incluo, numa espécie de voyerismo positivo virtual. Sim, pra observar as coisas boas que surgem dessa relação exótica que agrada a todos e intriga à Berna.
Você já pensou nela Muad? Em como ela está agora, depois deste poema, em que você viaja em trens fantásticos e carnavais errantes e volta a acariciar os cabelos dela, e vai e volta e vai e vem, sem deixar marcas?
Não deve estar quieta se algo no ar se espalha sobre ela, como um perfume que é apenas cor e não tem cheiro. É você assim: Carícias sem toque.
Como está você? satisfeito em conseguir o intento de tocar a campainha sem ser visto?
De tocar o coração dela sem deixar vestígios que o identifiquem?
Mas é esse mesmo o objetivo de vocês, não é? Perecem ambos felizes. Isso é o que importa. Como a mandala de areia jogada no rio. Não deixa registros, mas foi vivido o processo de construí-la.
E sobre o que Francinete escreveu a respeito de Muad'dib...
"Como está você? satisfeito em conseguir o intento de tocar a campainha sem ser visto?
De tocar o coração dela sem deixar vestígios que o identifiquem?"
Para Muad'dib:
Acho que você poderia deixar-se descobrir por ela (Bernadete), pelo menos só por ela...longe de nós, meros espetadores dessa envolvente novela virtual...
Abraço...
A respeito de Muad'dib
hoje ele não veio
talvez esteja se sentindo per (seguido)
e sua espontaneidade tenha sido tocada pela curiosidade brasileira.
Mulheres brasileiras não são mesmo fáceis. Dá pra perceber que não deixam por menos.
São intuitivas,
querem "chegar junto".
A ti, Muad,
peço desculpas
caso tenha se incomodado com as perguntas.
Talvez preferisses que só o apreciássemos, como a Berna
que se mantém tranquila a navegar em tuas enigmáticas palavras,a dialogar com teu ser incognoscível.
Talvez seja melhor esperarmos(as amigas de Berna, leitoras do blog,etc) teu próximo passo e ver
a direção que vais tomar:
farás mais um poema intrigante e anônimo?
deixarás um rastro transparente
na areia do deserto?
ou não virás até que esqueçamos de procurá-lo?
Tens direito ao silêncio e ao segredo. Por isso escolhestes o blog, lugar ideal para construir apenas o que é possível e desejável, para quem quer habitar a realidade virtual.
Mais que isso, seriam os caminhos comuns dos e-mails e outras formas de comunicação direta. Coisas de
quem quer ter os pés no chão.
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