Lar doce lar. Alívio e sofrimento... Alívio porque é bom mesmo chegar e espalhar tudo e não ter que negociar com ninguém o próximo passo, a próxima hora... Sofrimento porque, após esses primeiros instantes de usufruto da libertação do “outro”, tenho que me decidir sobre o que fazer com o meu excesso de liberdade... E agora, o quê?
Quase igual à história do “pedi e obtereis” da prece, pedi ao meu chefe, Nicolino Trompieri, uma trégua naqueles cursos introdutórios de mil alunos e ele me concedeu... Agora estou ensinando apenas duas disciplinas: Antropologia da Educação, no curso de Pedagogia, e Pesquisa Etnográfica, na pós-graduação em Educação. Fizemos esse arranjo porque eu o convenci de que se não escrevesse o “livro” da pesquisa de Chicago agora, jamais escreveria. As aulas às turmas introdutórias de 50-60 alunos são uma espécie de alucinação da qual só me dou conta quando tudo passa, mas, enquanto dura, não dá para se envolver com mais nada, apenas seguir o conselho da Marta Suplicy: relaxar...
Agora, pois, tenho tanto tempo livre que parece até que estou diante da vida eterna... Para não me atrapalhar, o que é difícil, porque sempre me atrapalho com tudo, preciso escrever tudo que tenho que fazer e dividir o tempo entre elas... Uma agenda rigorosa.
Este blog será uma das coisas que tenho que fazer: a que mais me convida agora. Acho que vou trazer o “livro” pra cá: é um jeito de não escrever sózinha. Depois penso nessa história complicada de autoria e co-autoria, mas neste exato instante, me dou conta disto: que posso escrever o “livro” aqui e aí me sentirei menos só...
Eu, que vivo dizendo por aí, que não tenho medo da solidão, nem da morte e nem de Deus, agora com essa história de dependência com este blog... Pronto, é isto: a escrita no blog é uma prova da minha carência do outro: o leitor, o comentador... E os meus diários de verdade, que andam meio abandonados, são mais um encontro comigo, com Deus: não preciso de feedbacks quando os escrevo... A própria escrevinhação já é o feedback... a cura.
Enfim, cheguei, acho, embora às vezes ache que não chegarei nunca mais porque estarei sempre em trânsito... É uma sensação esquisita, mas também confortável... Não quero falar sobre isto agora... Agora preciso organizar umas anotações para a aula de Pesquisa Etnográfica...
terça-feira, 2 de setembro de 2008
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3 comentários:
Oi, amiga. Esta sensação não me é estranha. Tanto tempo disponível e sem saber o que fazer, o que priorizar. Sempre pensei que isso fosse coisa de aposentada, como eu, que não sabe fazer crochê nem tricô. E o pior de tudo é que o meu tempo não sobra, é curto, quando menos tenho o que fazer. Um dia um grande amigo me falou de uma máxima: " Se desejas que façam alguma coisa, peça à pessoa mais ocupada que conheças" E o pior é que, na realidade isso é certíssimo. Lembro como fazia 200 coisas ao mesmo tempo e tudo bem feito e agora... Falta tempo para fazer uma mixaria. Mas, como te disse, isso é coisa de aposentado e velho. Quanto a você, acho que tudo fica por conta de todo o estresse pelo qual passastes nos EUa. Pois nem Jeri e Floripa foram para ti o que deveriam ter sido. Dois lugares divinos, da paz e do prazer e parece que nem te destes conta disso, né? Pare para pensar: a não ser estar com Lucas e Marcionília, que prazer tirastes deste lugar tão cheio de encantos e mistérios. E Jeri ? lembro-me quando lá estive, cheia de dificuldades para chegar, para me acomodar, como me senti no paraíso, liberta da cidade grande. E olhe que já tinha muito gringo por lá, pelos anos 80. Mas não esquente a cabeça, isso passa. É ressaca mental. Logo logo vais estar nos teus trilhos, como imaginas o certo. Quanto ao teu "livro" permita-me uma opinião - detesto dar conselhos. Não o exponhas no Blog; pode causar-te mais aborrecimentos futuros do que imaginas. Ele só deverá se tornar público depois de pronto. Acho uma ótima idéia, de vez em quando, lançares algum "mote" para ser comentado. As pessoas darão suas opiniões e será uma espécie de pesquisa dentro da pesquisa já feita - mas só isso ! Compartilhá-lo apenas dessa forma; buscar subsídios, embasamento para uma idéia ainda não formada completamente etc...
Enfim, hoje não estou muito boa da cabeça e posso estar dizendo um monte de besteiras. Se for o caso, perdoe-me. Minha pressão está alta e estou muito caidinha. Os problemas da filha são graves, ela os enfrenta com muita coragem e bom senso, mas a outra parte está doente, muito doente mesmo e o pior, bi-polar, engana muito. Minha apreensão é mais por ele, mas a família aqui é unida e vamos ajudando, pois ele não é nosso sangue, mas só tem a nós. Muito difícil a situação. Tenho passado maus pedaços, mas estou inteira, apesar de muito cansada fisicamente. Graças a Deus apenas fisicamente. Quanto a voce, amiga, desculpe os palpites, mas quem sabe não ajudei um pouquinho? Beijão PS de blog : Sabe o que me deiconta agora/ Voce descreveu com detalhes maravilhosos, de um encantamento total, suas aventuras no jazz em Chicago. Fiquei encantada com a poesia da tua prosa. E para Jeri e Floripa... nada? Pense nisso. por que?
Bernadete,
Hà certos encontros, com certas pessoas, certas pessoas bem singulares, claro, que provocam esse sentimento vertiginosamente agradàvel de não estar mais sò. Não no sentido dramàtico; não no sentido de que elas estariam "enchendo" uma solidão, de se substituir a ela, não. (Acho que a solidão é a nossa mais fiel companheira). No sentido de se sentir acompanhado; no sentido de perceber o outro caminhando ao seu lado, até na ausência, na virtualidade, com seu jeito de ser singular, com todas as formas de criatividade que temos de mobilizar para que isso, às vezes, aconteçer; sentir o olhar, a emoção, o pensamento dum outro tão virtualmente concreto. Existir verdadeiramente porque a gente existe verdadeiramente no coração, no corpo de alguém, de alguns. Existir porque, por seu olhar, por sua atenção, você està fazendo existir alguém, um ser forçosamente raro porque não se pode dar isso a qualquer um, entende? Para mim, é isso um blog, melhor dizer seu blog. Hà certas formas de blog-lixeira onde se deposita toda a merda do mundo; "bloges-confissionais" nos quais se despeja todos os falsos pecados do mundo; hà bloges-“lagrimatòrios“ nos quais deslizam todas as decepções do mundo; hà bloges-chiques, bloges-“vitrinas“ para sacrificar às virtudes das aparências; hà bloges dedicados à bricolagem, à militância revolucionària, reacionària, religiosa, etc.; hà tantos bloges que correspondem a tantas formas de viver, que têm suas razões de ser, não é a questão; que parecem sendo tantas modalidades de expressão da diferença.
Mas seu blog tem essa caracterìstica que é um blog que faz existir - existir é bem diferente do que simplesmente viver, entende - certas pessoas que nele se cruzam, que às vezes interagem, se encontram entre suas linhas.
Então, estava imaginando o quanto poderiamos ganhar com a elaboração, "in vivo/ao vivo", do seu livro sobre Chicago; estava imaginando a oportunidade que nòs seria dada, assim, de assistir na criação duma obra; estava imaginando o prazer imenso que me seria dado de me perder, de me encontrar, de ma atrapalhar também, de me transformar entre suas linhas que se tecendo com hesitação, que se re-elaborando, se re-escrevendo por pequenos traços leves, apòs uma série de esboços; estava imaginando o prazer meu naqueles encontos cotidianos com você tentando uma narrativa do outro, não simplesmente para descrevê-lo, mas sobre tudo para fazê-lo existir, là, em Chicago.
Oxalà que isso aconteça!
Muad'Dib
Sem comentários!
É engraçado escrever algo sobre o que já diz quase tudo. Mas é graças ao quase que temos sempre um cantinho a dizer algo a você.Porque você diz quase tudo. É sempre assim. às vezes escuta, só pra depois dizer, "não mas não é isso que estou falando, não quis dizer isso,e isso é assim, assim, convicta. Sempre convicta apesar de qustionadora. Como não ser só se se é assim, tão cheia de nuances intermináveis?
Seu destino é ser só até que alguém tente alcançá-la e aí vai na impressão ( ou ilusão) de estar com você. Como no livro do Fernão Capelo Gaivota, quando ele tenta ensinar a outra pequena gaivota a alçar aquele vôo especial. Será que alguma outra gaivota vai conseguir acompanhar sua rota sempre ascendente mesmo quando parece dar mergulhos no tempo e o espaço?
E destes mergulhos traz sempre mias coisas, como Diz Deleuze: mergulha no Caos e lá está tua solução (não é bem com essas palavras mas é nesse sentido aí).
então mergulha em Jeri, mergulha na gente, mergulha na poesia, mergulha em si mesma e depois volta com muito mais que migalhas ( as gaivotas comuns não conhecem mais que isso, que as migalhas palpáveis do mundo material).
Sim, porque ela ( Berna ) tem uma ânsia eterna de algo mais. Eu também tenho. Acho quen todo ser humano que se descobre inacabado ( como diz Paulo Freire: é o senso de estar inacabado que nos faz crescer.
Este blog também é inacabado e por isso ele cresce, mais e mais a cada dia. E nos remexe a todos com palavras que tocam sempre em algum ponto de cada um. Não é fantástico?
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